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No país das moscas

Em alguns lugares da Ásia, há regiões tão cheias de moscas que de nada adianta espantar ou matá-las. Em meio aos desertos, sob o sol incandescente, elas pousam nos olhos, bocas, ouvidos, rostos; ali, o hábito das vestes longas com muitos tecidos sobrepostos protegem a pele de um acidente maior, mas somente as mãos e as faces permanecem expostas às contaminações.

Hakin, e sua irmã mais nova Zanin, órfãos de pai e mãe, treinados por um grupo de resistência, recebiam suas últimas instruções completamente ricas em abusos de referência para enfrentar a batalha, aprendiam:

-Hakin, entenda que algo drástico para as vidas das mulheres acontece como um desígnio do Destino, e em nome de nossa causa. Elas parem os nossos homens e fortalecem a nação, mas outras se transformam em moscas e por isso há tantas entre nós com uma missão ainda maior de espionar e escutar os planos do inimigo para, em seguida, zunir aos ouvidos dos nossos líderes inspirados que nos orientam em nome do que precisa ser, acontecer.

– Sua irmã acabou de se transformar entre os nossos mortos, vá se despedir, pois logo você irá batalhar, ela deve estar sobrevoando por ali.

Hakin era um menino corajoso e determinado, com onze anos, ao tudo, ele se acreditava pronto para o embate final, mas a informação que recebera, o deixou estarrecido, quanto à sagrada revelação. Como a última e principal iniciação, era a que lhe daria coragem para o desfecho, o golpe final, ante as mazelas da guerra, assim Hakin venceria o inimigo e não titubearia em trazer a vitória. Estarrecido, engoliu o choro mais uma vez e foi ter-se com a corajosa irmã para o último diálogo. Ela era a pessoa que ele realmente amava no mundo, e por isso organizou a seguinte estratégia.

Misturou mel com azul de anil, e fez um farto bochecho com a boca deixando todo o seu hálito índigo, mas doce como néctar para arrebatá-la. Convencido de que sua irmã, pelo amor que sentiam, seria a primeira mosca a lhe pousar nos dentes, resolveu marcá-la para identificar e conversar mais vezes.

"Misturou mel com azul de anil, e fez um farto bochecho com a boca deixando todo o seu hálito índigo, mas doce como néctar para arrebatá-la."

Ingênuo, completamente sincero, o equivocado menino sentou-se ao putrefato necrotério dos homens, com a doce e atraente boca azul, escancarada para o devir, armou essa armadilha e assim foi.

-Zanin?! Dizia o menino abandonado…

-Por que você não me contou antes que essa era a sua missão?

– Nós teríamos tempo de conversar, eu te daria todo o meu amor, teria me preparado e te agradado mais, antes de você se transformar e partir… teria encontrado uma flor linda para você pousar, lhe traria a mais doce rapadura para lhe satisfazer, lhe daria minha última refeição inteira para você estar aqui quando eu voltar…

E descontrolado, caiu em prantos aos gritos, que para a sua desonra, desfizera todo o condicionamento para o flanco, e contudo passou a errar no mundo, como apenas uma criança perdida. Mas ainda assim, a sua preciosa mosca foi; foi ouvir os segredos dos fortes para depois informar.

Depois, ainda desolado, mas obcecado para os dias, acabou aprendendo que a mosca não era tão somente o frágil e nojento inseto que perturbava a todos. Ela trazia consigo o poder da adaptação, persistência, a coragem, a determinação, a capacidade de reciclar e sobreviver, culminando ao total em transformação, por tudo, seu potencial adquirido o tranquilizou mais.

Convencido de que não servia para mais nada e deixado para trás, desta vez Hakin sentado num oco de pau à entrada de uma bodega, ouviu uma voz que o chamava timidamente:

-Hakin?

Não deve ser, pensou a irmã… mas, tão parecido?

Ela ainda pensava com os seus botões quando ele boquiaberto virou-se.

Ali, ficaram um bom tempo entreolhando-se, compartilharam um profundo pranto calado, para depois abraçar…

Mas, logo que o coração acalmou, Zanin retirou do próprio bolso um escaravelho-do-esterco e contou:

Esperei por todos esses anos por sua ressurreição. Quando me ensinaram que ao morrer honradamente em batalha, você voltaria como o sagrado e místico besouro.

E então orei todas as noites.

Pedi para a minha sagrada mãe Ísis para te trazer de volta pra mim, mas um dia, misteriosamente quando eu orava no quarto, você entrou pela porta, eu chorei agradecida e guardei, disse ela com um escaravelho seco na palma das mãos.

– E assim, depois que ele morreu, como minha última esperança, venho o guardando para te encontrar…

Confortado, Hakin tirou um pequeno embrulho em papel de seda que guardava junto ao coração, gaguejando um choro entre as palavras e mostrando a mosca azulenta disse:

– Isto era você … foi você em minha vida por todo esse tempo…

Eles riram e choraram convulsivamente por algum tempo e ela disse:

Esperar é muito mais que aguardar, é reforçar a fé que no amor reside para seguir em frente, ante ao aprendizado final…

"Esperar é muito mais que aguardar, é reforçar a fé que no amor reside para seguir em frente, ante ao aprendizado final..."

Pavitra Shannkaar autor em autoconhecimento e espiritualidade

Sobre o Autor

Pavitra Shannkaar é autor e escritor em ética, espiritualidade e autoconhecimento, também é terapeuta transpessoal, cantor e compositor da banda Ungambikkula, além de ser presidente da Cooperativa Cultural e Artística Ungambikkula. Autor do livro "Raiz das Estrelas".

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